O marasmo existencial: a visão psicossocial do desconsolo alheio
A descoberta das aflições individuais
Foi nas palavras de Jordan Peterson, excepcional psicólogo clínico, em um vídeo, que tive contato com a sentença "a vida é sofrimento". Frase que pode beirar ao simplismo mas que carrega consigo um certo peso reflexivo que inclusive me instigou à pesquisar mais sobre suas obras (destaque para '12 Regras para a vida', que foi um dos melhores livros que já li) e a área em geral. Através de um apontamento mais holístico, essa declaração é uma forma de amenizar a dor alheia, através da equiparação das consternações que um ou outro sofre de maneira particular pelo fato de ser algo inerente às pessoas como um todo.
Peterson, numa visão bem schopenhaueriana, entende que o sofrimento é algo comum, e até pouco tempo atrás eu ainda complementaria, remetendo à um conceito de Nietzsche, como algo necessário, uma vez que ele molda o indivíduo. Tive certeza dessa suposição quando me deparei com uma frase de um excelente livro que se chamava 'Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo' de Carl Jung , famoso psicoterapeuta analítico que conheci através dos estudos de Peterson, que dizia: "Qualquer árvore que queira tocar os céus, deve ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos".Embora concorde com esse ponto, vi que ele pode levar à considerações mais amplas abrangendo o caráter mais hermenêutico do ser, e tende à ser muito subjetivo de acordo com as experiências e diferentes casos que presenciamos no dia-a-dia. Então questionei o porquê desse peso enorme que cada um tem de levar em sua essência. Uns em alto grau, e outros aparentemente em um grau menor, independente de sua pré-estrutura social, visto que muitas pessoas rotuladas como 'felizes' e 'ricas' acabam se deixando levar pelo constante marasmo emocional.
Desse modo, a índole ontológica do ser e todas as suas complexidades, se tornam algo com um intuito metafísico mais abrangente do que qualquer outro ramo de uma metafísica mais específica, levando então à dificuldades de entendimento das características do ser, uma vez que este, de acordo com algumas linhas do pensamento existencialista, não se manifesta enquanto ser, e sim enquanto ser de um ente, sujeito à mutações abruptas relacionadas às possibilidades do ser-no-mundo e suas obscuridades.
Obscuridades que me levaram à questionar, talvez por pura arrogância e prepotência, o porquê das pessoas mais prestigiosas caírem nessa impassibilidade. Julgamento esse que fiz com alguma frequência, na medida em que isso ocorria com grandes nomes da música que eram para mim referências pessoais no sentido clássico do saudosismo artístico, pela constante negação individual, a fim de debruçar-se na imaginação através do pensamento (in)consciente do: "Queria ser como ele(a)", uma vez que nascemos como um modelo original de nós mesmos mas sucumbimos como cópias fragmentadas daqueles que nos influenciam.
Entre outros momentos então, percebi que a vida é, como Peterson falou, sofrimento, porém acompanhado de instantes de felicidade, e que esta deve ser limitada para o próprio bem estar individual, uma vez que a estagnação em um ponto fixo, seja para o alto astral, seja para um estado de melancolia, acaba originando um sentimento que pode ser mal recebido por alguns, por motivos que, por não pertencer à área, não sei defini-los. E este sentimento, corrói a alma através da sensação de impotência e incapacidade de sentir algo novo, de criar novas maneiras de experimentar desafios e assim, permitindo-se cair em profundo desgaste emocional que gradualmente corrompe o indivíduo como um todo.
Escrevo isso pois foi a lição que também me foi tirada ao ouvir a letra da música Love Boat Captain do Pearl Jam, que nas palavras de Eddie Vedder afirmava que "é uma arte viver com a dor, se mistura a luz com as cinzas", e inicialmente quando ouvi pela primeira vez, questionava aquele verso, uma vez que me indagava por que diabos alguém iria achar arte conviver com algo tão angustiante. Mas com o passar do tempo, entendi perfeitamente oque Eddie quis dizer.
Então, para buscar empaticamente esclarecer a dúvida que sempre foi indagada por mim, à respeito do que levou ídolos, e pessoas mais desenvolvidas na questão material sofrerem de certa desestabilização emocional, lembrei de uma frase de Bauman que dizia que "A felicidade é o prazer que dá por ter superado os momentos de infelicidade", e aqui se têm a nítida influência de Jung e Nietzsche. Ou seja, é a capacidade de converter seus conflitos em vitórias de maneira contínua.
Logo, a grosso modo, o ser que conquista, ou pelo menos acha que conquistou tudo que deveria, se vê preso numa estrada onde não há mais espaço para progredir e superar desafios que o estimulem. É então, fator primordial entender que as batalhas que um enfrenta, é diferente das batalhas que outro enfrenta, e mais importante ainda, a capacidade de lidar com elas, é ainda mais diferente de pessoa para pessoa.
A carência de brio como fator decisivo para conflitos psicológicos
Mas outra resposta me foi encontrada quando vejo que alguns indivíduos não possuem o chamado brio, que inclusive tive uma ênfase maior na sua definição a partir de um outro vídeo, em partes engraçado para falar a verdade, do grande escritor e filósofo Clóvis de Barros, que enfatizou o seu conceito em relação à sensação de invalidez intelectual que as pessoas sofrem por não se sentirem suficientes para determinada atividade como a leitura, por exemplo.
E o que tem a ver essa definição com o tema abordado por mim? O fato é que, nem todas as pessoas possuem o brio, valor próprio e sentimento de honra capazes de uma autossustentação em consonância com os impactos que essa espécie de balança emocional possa vir a trazer. Em outras palavras, um baque na vida de um pode ser preponderante para a queda da sua estrutura mental, e também, uma pessoa pode não ter a desenvoltura psicossocial para saber lidar com a abundância e a magnificência material.
Mas essa evidencia da 'falta de brio' é totalmente correta? E caso fosse, seria algo desonroso para alguém ter essa carência? Enxergo que não, e não, respectivamente, pois vejo que o brio não está associado à uma unificação de valores intrínsecos do ser humano, sendo completamente oposto à um conceito que me é familiar do meu estudo em ciência de dados, mais especificamente nas transações de banco de dados, que é a atomicidade. Ou seja, seria o evento em que uma transação será executada totalmente ou não será executada de jeito nenhum. Ou seja, seria o fato puro e simples de ser ou não ser. No caso abordado aqui, ser ou não ser uma pessoa com autovalor, o brio. Para mim é equivocada essa aplicação aqui pois, como sempre (ou quase sempre) em ciências sociais e humanas, nem tudo pode ser generalizado.
O brio pode ser usualmente empregado em determinada característica individual, e não na totalidade do indivíduo, ou seja, uma pessoa pode ter brio profissional, fraternal, intelectual, entre outros, e a partir daí se amparar, até de maneira viciosa e prejudicial, no seu orgulho e amor próprio em relação a seja lá o que for. Mas esse autovalor característico em que muitos se amparam, pode ser destruído causando uma desestruturação mental, pela consciência exagerada da sua falta de brio nessa instância específica, germinando uma noção de insuficiência generalizada, causando o caos emocional como um todo, e agora sim, unificando todo o sentimento negativo em sua totalidade individual.
Origem da desestruturação individual e purificação da alma
Aliado à essa desestruturação mental, outros fatores que servem de resolução são os medos e os traumas enraizados, especialmente de um passado remoto ou definitivo. E o fato que Freud externou em sua teoria do desenvolvimento que o homem que a criança se tornará terá traços de sua infância, esclarece muitas dúvidas sobre o porquê de certa pessoa, bem estruturada ou não, tenha um sentimento mais tormentoso, e por vezes depressivo, através de conteúdos recalcados, embora muitas reminiscências ocasionam um efeito benéfico na psicoterapia.
Nesse sentido se faz fundamental uma construção gradativa de cada indivíduo, levando em conta o meio em que vive, com quem se vive, como se vive e suas individualidades simbólicas, independente de seu ponto de chegada. E uma instabilidade em certo ponto desse progresso, para um ou outro, pode ser inexorável.
"Eu aceito o caos, mas não tenho certeza se ele me aceita" - Bob Dylan
Com esse trecho que é atribuído à Dylan, acho um potencial complemento do que foi citado anteriormente, dado que nem sempre podemos controlar o que nos desestimula, por mais que se tente. Torna-se então condição imprescindível concretizar mecanismos de saída desse profundo estado de calamidade interior, e o que me vem na memória por exemplo, é o conceito de catarse definida por Aristóteles e entendida pela psicanálise como a purificação da alma através de descargas emocionais em relação à certos traumas, e acaba se afirmando como a principal consequência daqueles que tentam superar essas falhas e perturbações. E nesse intuito, o indivíduo se torna mais livre de si, e pode respirar, mesmo que momentaneamente, o ar da autossuficiência.
Com tudo isso em mente, a tal da "modernidade líquida" de Bauman que com certeza 99% das pessoas já ouviram falar, alcança um conceito bem mais amplo do que uma relação interpessoal, que é a definição que as pessoas mais associam. Numa conceituação mais holística, ela faz parte de um todo, desde os sentimentos mais individuais e inconscientes, e esses, são indispensáveis para o progresso mental do ser humano.
Mas a questão é bem mais ampla do que um mero debruço que uma visão leiga sobre a área possa explicitar através de um vislumbre singular acerca do assunto. As questões que se colocam, portanto, devem ser melhor entendidas em um espaço amostral mais abrangente buscando diferir do abstrato, e procurando o significado dessas anomalias numa esfera mais inteligível.
Gostaria de citar esse post. posso mencionar em um artigo de um projeto que estou fazendo. Cito os créditos!
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